sábado, 21 de janeiro de 2012

RJ, maravilhosa por fora e INACESSÍVEL por dentro


RJ, MARAVILHOSA POR FORA E

INACESSÍVEL POR DENTRO






Descrição da figura: Centralizado num fundo roxo, encontra-se a silhueta de um operário, tendo na cabeça um capacete de construção, empurrando um carrinho de mão, também em silhueta, contendo material de obra.


Parafraseando o popular ditado: "Por fora bela viola, por dentro pão bolorento" é que, com profunda melancolia, constatei que a nossa Rio de Janeiro é maravilhosa por fora e INACESSÍVEL por dentro! Como assim?


Numa volta à casa, na direção da estação metrô/Uruguaiana, no centro da RJ, ouvi:
                       
- Cuidado! Vai bater na parede!


Sabia que não era comigo, já que meu pessocão não me faria ir de encontro a uma parede. Notei um pequeno tumulto próximo a nós.
                        
Pois é! Outro cego, usuário de bengala, seguindo um piso tátil caiu numa humilhante cilada.
                       
Quem, em sã consciência, imaginaria que um piso tátil destinado a conduzir uma pessoa cega poderia terminar numa parede? Um caminho feito pelas autoridades que termina em lugar algum? Difícil crer, contudo, exatamente isso!
                        
Desfeito o aglomerado todos retornaram ao seu destino. Entrei com Jimmy - meu cão-guia - no buraco do Metrô conversando com os meus botões. Pensava no rebaixamento moral a que, diariamente, estão sujeitas as pessoas com deficiência, idosas e com necessidades especiais.
                      
Inacreditável a falta de sensibilidade dos governantes, para os quais assinamos procuração no momento do voto. Lamentável constatar que estão agindo contrário a nossa vontade! E o que fazemos? Horrível perceber que a grande "massa" fica OMISSA. Talvez atônita, completamente perturbada e sem direção. O que é pior! O resultado das urnas se repete!
                    
Vivemos num permanente enduro no asfalto. Apenas concluí o óbvio quando ceguei. Enquanto pessoa SEM deficiência não tinha olhos para ver esses desastres humanitários. Foi preciso ter sofrido um acidente de percurso - supressão do sentido da visão - para ver melhor fatos que sempre estiveram na minha cara!
                    
Bicho estranho é o homem! Como advogada sei que a OMISSÃO também é crime, pelo que decidi fazer a parte que me cabe como cidadã.
                
Tenho a graça de ter um amigo arquiteto e com lentes focadas na acessibilidade da cidade. Troquei ideias com ele sobre o que "presenciei" perto da estação do Metrô. Então, Zé Carlos contou-me coisas do "arco da velha"! Pedi ao amigo que me acompanhasse numa vistoria pelas ruas do centro do RJ, o que fora prontamente aceito. Numa manhã de domino, num calor de arrepiar, encontramo-nos na frente da Igreja da Candelária. Não fosse a alegria do encontro, somando-se as esfuziantes balangadas de rabo de Jimmy, estaríamos em grande pesar pelo que sabíamos que registraríamos. Câmera em punho e fomos nós.
                 
A calçada à frente da Candelária havia sido refeita não fazia 5 meses. Em alguns pequenos trechos Zé Carlos descrevia que ainda existiam vestígios de obra recente. Não obstante sua prematuridade a calçada já apresentava nítido desleixo da administração. Muitas pedras portuguesas pocadas. Será preciso a área transformar-se numa cratera para NOVO refazimento!
                        
Rampas? Tão-só a da entrada da Igreja! Ainda assim, com inclinação para automóveis. Tão íngreme que um cadeirante não suportaria subir! Deplorável que o material se sobreponha ao ser humano! O carro tem rampa, mas o homem não!
                       
Piso tátil? Também não. Então o cego fica perdido com sua bengala.
                        
Rebaixamento no meio-fio? Apenas um também da Candelária.
              
Sinal sonoro ou de mão para travessia dos cegos? Claro que não. Fomos ao Centro Cultural do Banco do Brasil e, particularmente, teria que pedir ajuda para travessia se não estivesse acompanhada ante a falta de sinal. Que coisa! Temos sempre que ser tutelados? E a nossa liberdade de ir e vir com independência?
              
Talvez você pergunte: Mas e o cão-guia não lhe atravessou? Jimmy foi treinado na América, onde, nos cruzamentos/travessias, havia sinal de mão sempre na direção de uma rampa. Então, eu apertava o sinal e Jimmy já se dirigia para rampa parando em seu início. Daí atravessávamos com confiança e segurança, vez que os motoristas, em regra, têm educação no trânsito, bem como respeitam as pessoas com deficiência. Bastante diferente da nossa realidade.
               
Lembro bem das recomendações do meu instrutor de mobilidade/bengala, quando me sugeria que - SEMPRE - pedisse ajuda para atravessar ruas, justamente pela má educação dos motoristas de automóveis, coletivos, triciclos, bicicletas, etc.. Certa feita vinha eu andando calmamente pela calçada quando, na porta de um supermercado, fui abalroada por um homem que saía feito alucinado. Minha bengala virou um arco!
                 
Prosseguimos na direção da estação Uruguaiana do Metrô. Enormes eram os meios-fios a serem escalados para alcançar o outro lado das ruas. Impossível para um cadeirante, pessoas recém operadas, gestantes, idosos, etc.. Desumano!
             
Absurdo. Todavia, muito FREQUENTE o encontro de pisos táteis indo terminar em paredes, quinas e grandes orifícios.
              
Armadilhas? Nossa! Pegadinhas para quaisquer mortais tivemos que ultrapassar nesse pequeno trecho até o Metrô. Meias luas terminando rente a bueiros SEM tampas, mais parecendo enormes ratoeiras a espera de presas! Qualquer pessoa menos atenta cairia nela! Logo me veio a cabeça pedestres que falam ao celular andando.
               
Até hidrantes no meio de rampa foi detetado. E por falar em rampa, apenas uma CORRETA tive a honra de pisar.
            
Enfim, lá estava a estação Uruguaiana bem ESCONDIDINHA! Sem piso tátil como guia, bem complicado para um cego chegar.
             
ACESSIBILIDADE ATITUDINAL JÁ! Na verdade temos que nos unir para exigir dos Governos campanhas com o foco na acessibilidade atitudinal. Cristalino restou pela nossa passagem na calçada NOVA em frente a Igreja da Candelária que a administração pública não tem qualquer preparo para tratar a cidade. Se tivesse, a empresa que fez a obra teria acertado no básico! Fico a meditar que, até pelo uso do bom senso, qualquer orientador de trabalhadores jamais deixaria pisos táteis terminarem em paredes ou quinas! Poxa! Elementar!


E aí, meus amigos! Vamos renovar as procurações no próximo outubro?




Carinhosamente.



DEBORAH PRATES

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