PALHAÇADA
Descrição da imagem para DV's: Palhaço acenando vestido com uma roupa azul claro com bolinhas brancas e um babado grande na gola do pescoço. Sapatos gigantes, boca e nariz vermelhos. Tufos de cabelo nas laterais laranjas e um chapéu redondo amarelo.
Antes de lerem a crônica, sugiro que ouçam a música para entrar no clima
Enquanto lia uma matéria
publicada no jornal Folha de São Paulo - 7/6/2014 - fui me indignando,
indignando, indgnando... viajando no tempo e parando em uma música que
cantavam antigamente. Dizia assim: "Cara de palhaço Pinta de
palhaço Roupa de palhaço Foi este o meu amargo fim; Cara de gaiato, Pinta de
gaiato, Roupa de gaiato, Foi o que eu arranjei pra mim."
Caramba, essa roupa
feita/modelada pelos compositores Haroldo Barbosa e Luiz Reis é tamanho único;
serve pra todo mundo, não excluindo nem os cegos!
O título da matéria
noticiada pela "Folha" é: "Jovens estilistas criam roupas para
deficientes visuais. Como pessoa cega senti a minha dignidade aviltada. Afirmo
que os "jovens estilistas" criaram uma coleção para palhaços
encarnados nos cegos.
Aproveito esta crônica
para dividir o texto da "Folha" com os amigos leitores. É para
gargalhar mesmo! Não fosse trágico, seria cômico. Escreve o colunista Pedro
Diniz:
"Evento de
desfiles para novos estilistas, a edição de verão 2015 da Casa de Criadores
chegou ao fim nesta sexta (6), em São Paulo, com a proposta inusitada:
apresentar looks feitos para pessoas com deficiência visual. Leiam com atenção!
Texturas e detalhes
utilitários como bolsos para celular, elásticos em vez de botões e tecidos
diferentes para distinguir os lados das roupas são exemplos usados por dez
estilistas da programação.
... A jaqueta criada por ele, por exemplo, tem couro de um lado e tricoline
de outro para que o usuário diferencie a frente das costas. Na calça, em vez de
botões há um elástico, que facilita na hora de vestir. Num colete foi aplicado
um número em alto relevo para que cada bolso seja identificado.
As criações foram
feitas em parceria com a Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência de São
Paulo com o propósito de atender às necessidades desse público."
Ai, ai. Meus amigos, é
preciso nervos de aço numa mulher de fibra para suportar tamanho descalabro.
Quem são as pessoas cegas?
Fui buscar no dicionário alguns verbetes que traduzissem o conceito de
pessoas cegas para esses "jovens estilistas", diante da malfadada
coleção/2015. Como público-alvo - cega - fotografo os cérebros dessas criaturas
sobre a nossa imagem com os seguintes verbetes: desprovidos de inteligência;
burros, estultos, estúpidos, idiotas, ignorantes, ineptos, lerdaços, néscios,
palermas, parvos, patetaes, tolos...
Inacreditável! De
quais critérios se valeram esses geniais cérebros para concluir que um cego,
por ilustração, não sabe fechar um fecho-ecler, um botão, ou, o que é pior, não
tem inteligência para distinguir a parte da frente da parte de trás de um
casaco. Ah, e que precisam de numeração nos bolsos para identificá-los! Tenham
a santa paciência!
Verdadeiramente esses
"jovens estilistas" precisam aprender mais sobre seres humanos,
instintos.... Para os humanos que nunca conviveram com pessoas cegas, a imagem
dos deficientes visuais fora destruída.
Faz pouco tempo que
numa novela um personagem, depois de ter ficado cego na fase adulta, tinha
dificuldade em distinguir às 24 horas do dia; valendo dizer, que não sabia
quando era dia e quando era noite e bem mais. O cego fora tratado como um
perfeito imbecil.
Como se não bastasse,
vem, agora, essa incrível coleção INCLUSIVA. É essa a imagem que o corpo social
nutre em relação aos cegos. Explicado, pois, o tratamento assistencialista
dispensado às pessoas com deficiência em geral. Somos todos incapazes. Talvez
venha por aí uma cartilha, em braille, intitulada: SEXO PARA CEGO.
Esses "jovens
estilistas" nos colocaram como os bobos da corte. Eram personagens engraçados
que divertiam o rei na Idade Média e estavam sempre presentes na corte e no
teatro popular. Eram considerados cômicos e muitas vezes desagradáveis, por
apontar de forma grotesca os vícios e as características da sociedade.
Retrocedemos à Idade Média!
Viajando na história é
que trago o slogan "seus problemas acabaram", lembram-se? Sim,
CASSETA & PLANETA, URGENTE! Pois é, me ocorreu um bom produto para os
"jovens estilistas" sugerirem às Organizações Tabajara. Que tal uma
tecnologia assistiva, traduzida pelo PAPEL HIGIÊNICO INCLUSIVO? Funcionaria
assim: nasceu cego, chip na bunda; ficou cego na estrada da vida, chip na
bunda. No contraponto, as Organizações Tabajara entrariam com os rolos de papéis
higiênicos, com a tecnologia de atrair as coisas. Tragicômico seria o cego
passar pelo detector de metal nos aeroportos, hein?!
O achômetro dos
"jovens estilistas" reflete o comportamento, por exemplo, dos empresários
que têm medo de contratar cegos, cadeirantes, muletantes.... para o quadro de
pessoal de suas empresas. Nem posso vislumbrar a possível hipótese desses
empresários terem lido a matéria ora comentada! Dirão ao fiscal do Ministério
do Trabalho: Terei que colocar uma textura diferente na cadeira? E se o cego se
atrapalhar ao sentar e confundir as pernas da "chaise", terei que
pagar a assistência médica?
Nesse vaivém entre
passado e presente, recordei um episódio que vivi ao final de uma palestra que
fiz numa escola, cuja faixa etária não passava dos 5 anos. Aberto o tempo para
as perguntas, veio o seguinte carinho: "Tia, sem enxergar, como você limpa
a sua bunda?" Nossa, a gargalhada foi geral. A ingenuidade e
espontaneidade das crianças nos inebriam!
Eeeeeeeeei, mas
espere aí! Os "jovens estilistas" têm mais de cinco anos! Daí fica
complicado interpretar o projeto em destaque. Será uma forma de Bullying, lúdica face da violência? Quem
comprará as discriminatórias roupas? Com muito esforço vislumbro as famílias de
cegos escondidos pela vergonha de ter um deficiente no lar. Horrível! Só podem
ser tais famílias as consultoras desses "jovens estilistas". Santo
Deus!
O ministro Joaquim
Barbosa, em dezembo/2013, negou um pedido meu de acessibilidade nos sites do
Poder Judiciário, rasgou a Carta da República e a maravilhosa Convenção sobre
os Direitos das Pessoas com Deficiência, e ordenou que eu, se quisesse, que
pedisse ajuda a terceiros para o exercício dos meus misteres de advogada. Foi o
veredito! O ministro Barbosa bateu o martelo e tomou/violentou o meu direito no
grito/arbitrariedade! No mínimo, desumano/cruel. Viram, na prática, como as
pessoas cegas são tratadas? E não foi pelo seu Manuel do botequim da esquina!
Claro que, como
advogada, corri atrás do prejuízo e, através de decisão em meu mandado de
segurança, o ministro Ricardo Levandowsky - de DIREITO e JUSTIÇA - deferiu o
pedido liminar para que eu continuasse a peticionar em papel até que o
Peticionamento Eletrônico (PJe) fique conforme as normas internacionais para
web (Artigo 9 da Convenção).
Para que a sociedade
passe a ver o deficiente como um igual/ irmão, será necessário que a presidenta
Dilma Rousseff nomeie - para a vaga de Barbosa, um ministro COMPETENTE e
DEFICIENTE para compor o seleto rol do Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido
o movimento das pessoas com deficiência já está se mobilizando. Você que me lê,
bem poderia ser solidário e ajudar, né? É simples, basta entrar no site abaixo e
deixar o seu e-mail. Sem custos! (http://www.avaaz.org/po/petition/Supremo_Tribunal_Federal_STF_
Queremos_um_Ministro_com_Deficiencia/?nhOXkbb)
Amigos, vejam como a
chave do sucesso para uma sociedade mais humana é a prática, no dia a dia, da
acessibilidade atitudinal. Seu propósito? Provocar ações transformadoras; mudar
os maus hábitos arraigados nos cérebros desde o início da civilização. A coletividade
há que entender que as diversidades existem na natureza como são e não como
gostaria que fossem. Na realidade deficiente é o nosso Brasil, tão cheio de
obstáculos, entraves de todo gênero, que obstaculizam a vida em grupo de forma
IGUAL para todos. Daí é que, com facilidade, encontramos hidrantes sobre
rampas, impossibilitando o ir e vir dos cadeirantes... Somos todos deficientes!
Falando sério, as
pessoas cegas têm uma vida independente sempre que a sociedade lhes permita.
Precisamos de iguais oportunidades para que possamos buscar o nosso direito de
igualdade. No lar, através de vários vídeos no meu canal Youtube, os amigos
poderão constatar que eu desenvolvo os mesmos trabalhos que qualquer pessoa sem
deficiência. Cozinho, lavo, passo, limpo vidraças e vaso sanitário, atendo a
porta e o telefone, subo e desço com o meu cão-guia com total liberdade... Tenho
algumas ferramentas tecnológicas que me propiciam saber as cores, ler diversos
rótulos, interagir no computador com todos os sites acessíveis/legais/solidários
e muito mais. Ah, informo que me visto sozinha e corretamente, sem cogitar em
comprar/adquirir quaisquer produtos da famigerada coleção/2015, criada pelos
"jovens estilistas".
Logo, os cegos não
precisam da discriminatória coleção inclusiva - 2015 - para viver com mais
conforto. Necessitam, sim, de tecnologia mais barata (menor custo) de produtos
como: iphones, notebooks, canetas etiquetadoras/falantes, bens domésticos com
botões perceptíveis e tudo mais que lhes deem melhor liberdade em todos os
lugares. A frente e as costas da blusa, colete, jaqueta; texturas
identificadoras do direito e avesso... nada dessas INUTILIDADES/BOBAGENS são
necessárias.
Concluo essa crônica
com um conhecido pensamento de Martin Luher King: "Aprendemos a voar como
pássaros, e a nadar como peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos."
DEBORAH PRATES.
desprovidos de inteligência; burros, estultos, estúpidos, idiotas, ignorantes, ineptos, lerdaços, néscios, palermas, parvos, patetaes, tolos... desumanos. Preciso criar uma palavra/adjetivo desprovido de qualquer histórico etimológico para definir/qualificar esses tipinhos extra planetários. Talvez sejam refugiados de um planeta onde eles imperavam por terem somente a visão como sentido e cérebro de camarão.
ResponderExcluirBelo texto Deborah, o que falta, no meu ponto de vista, é um dialogo entre as pessoas. As distorções sõ irão desvanecer se houver convivencia plural, e, se a própria pessoa com deficiência falar por si, não deixando que outros façam isso, porque pelo que percebo, dificilmente, o outro tem uma visão igualitária, geralmente, é carregada de pressuposto mesmo que não tenha existido má intenção.
ResponderExcluirCarla
Eu imagino que a citada Secretaria PcD de SP, não teve uma pessoa qualificada para escolher e aprovar este projeto! É de extrema ignorância! Enquanto nós militantes do movimento PcD lutamos para mudar a cultura de que somos "incapazes, pobrezinhos, ignorantes, etc..." vem um Gestor público e aprova uma OFENSA dessas. É um ótimo assunto para ser incluído dentro de Fóruns, Seminários e até mesmo Conferências! Estou irritada, indignada! Parabéns pelo sublime texto Débora.
ResponderExcluirDeborah,
ResponderExcluirPartilho de sua indignação quanto à moda para pessoas com deficiência visual. Pessoas com este tipo de deficiência, surdos, pessoas com deficiência intelectual não precisam de roupas acessíveis (ou seja, com acessibilidade, termo que prefiro a "adaptadas"). Precisam, sim, de outros apoios e tecnologias assistivas, como vc bem enumerou.
Entendo que cadeirantes, pessoas com nanismo ou com outras dificuldades de movimentar membros superiores e inferiores precisam, sim, de roupas acessíveis. Uma mulher com nanismo, por exemplo, tem todo o direito de vestir uma roupa sedutora, feita para sua idade e altura - não tem sentido vestir uma roupa com motivos infantis, só porque é de seu tamanho.
Essa coleção de moda traduz e reforça a visão estigmatizante vigente, há séculos, que associa a cegueira à "noite eterna" (certamente um pesadelo, do qual ninguém quer participar) ou à imbecilidade e incompetência.
Há que reagir energicamente, sim!
Abraços inclusivos,
Marta Gil
Querida amiga Marta Gil, muito bacana ler essa sua interação tão lúcida e cheia de sabedoria. Tenho para mim que a nossa união será essencial para conscientizarmos a sociedade de que não somos os burros da corte, razão pela qual retroceder à Idade Média, em 2014, é gesto de pura ignorância + preconceito. Você foi linda nesse comentário e tem os meus aplausos. Carinhosamente Deborah Prates.
ExcluirÉ Débora, ainda falta muito. Eu vibro pela sua coragem de seguir em frente pq eu, cagona, já teria desistido há muito...pessoas que fazem esse tipo de proposta não são diferentes daquelas que pintam o pelo ou as unhas do cachorro. Da mesma forma me lembro de como a burguesia de uma forma geral fica feliz quando chega próximo do Natal para poderem ser "generosos". É um tal de fazer sacola pra orfanato e/ou asilo....e durante o ano inteiro não conseguem tirar um único dia das suas vidas para visitar aquelas pessoas. Quando eu era jovem fiz parte de um grupo chamado Convergência Socialista que mais tarde viria a se transformar em partido político, o PSTU. Um dia eu questionei um dos dirigentes como ele podia ter tanta certeza de que era aquilo que o trabalhador precisava. Será que eles querem mesmo a"revolução do proletariado"? Todos éramos estudantes e/ou bancários. Com que direito podíamos decidir o q era melhor para um trabalhador braçal da metalúrgica lá da Baixada???
ResponderExcluirGostaria de saber quantos cegos participaram na criação dessas roupas...
Queridíssima amiga do coração Tula, estou com saudades dos nossos papos/reflexões. Bem bacana e sincero esse seu depoimento com o qual concordo inteiramente. esses "jovens estilistas" precisam aprender mais sobre os seres humanos, instinto, solidariedade e amor. Esses são as aberrações advindas da cultura da obsolescência, na qual o ter se sobrepõe ao ser. São os verdadeiros tecnumanos. No lugar do coração, possuem um hard disk e se relacionam com as pessoas, em geral, através do mouse. São seres frios, calculistas financeiramente e esperam que o lucro lhes trará a felicidade que não conseguiram por serem incapazes de amar o próximo como a eles mesmos. Logo, seres profundamente nas trevas e infelizes. O pior cego é o que não quer ver. carinhosamente Deborah Prates
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