AS PARALIMPÍADAS 2016 DEIXARÃO LEGADOS?
Descrição da foto para DV's: em uma sala de paredes brancas e piso de madeira, Deborah Prates palestra sentada em uma mesa de madeira e ao lado de mais dois integrantes da mesa. Esses prestam atenção em sua fala. Ao lado de Deborah, um interprete de libras faz a tradução e ao fundo, um projetor exibe uma página de Twitter.
A
Copa 2014 quase nada deixou de legado relativamente às acessibilidades.
Singelos ensaios foram feitos como, por ilustração, no estádio do Maracanã e
seu entorno. No mais, nada de nada. Como os brasileiros gostam de dizer: me
engana que eu gosto! Cômico, não fosse trágico.
Agora,
a moda aponta para as olimpíadas e as paralimpíadas de 2016. Os canteiros de
obras continuam plantados por toda Rio de Janeiro sob a justificativa de que
atenderão à mobilidade urbana rumo aos jogos esportivos. Muitos
"compromissos" estão postos pelos gestores da hora para facilitar o
deslocamento das pessoas SEM deficiência de um ponto a outro da Cidade
Maravilhosa. No entanto, para melhorar a mobilidade das pessoas com
deficiência, ao arrepio da Constituição/Convenção de Nova Iorque, quase nada se
diz. Como tudo está em construção é que ficamos tímidos em apontar erro,
valendo dizer cobrar a nossa verdadeira inclusão.
E
aí, será repetido em 2016 o fiasco da Copa? Continuaremos fora da foto? Ou
dirão que estamos nela, mas de modo invisível?!
Esquisito
falar em igualdade humana em setembro de 2014, hein?
No
dia 16, por convocação do solidário Fábio Guimarães (andante em cadeira de
rodas), no Espaço Ideal Eventos/RJ, amigos se encontraram para refletir sobre o
sonhado legado de acessibilidade a ser deixado pelo planetário evento
PARALIMPÍADAS. Na mesa, puxando as reflexões estavam: Rodrigo Rosso (Revista
Reação), Andrei Bastos (presidente do COMDEF), Armando Nembris (professor), Fábio
Guimarães (criador do Projeto BLA - Busco Legados de Acessibilidade) e eu.
Fábio
Guimarães, abrindo os trabalhos, mostrou algumas imagens comprobatórias do
total descaso dos gestores e sociedade em geral, acerca das aberrações
construídas na cidade para as pessoas com deficiência. As imagens, para quem
enxerga, falam mais que muitas palavras.
Constatou-se
que no cotidiano os deficientes visuais que encontram pisos táteis terminando
em paredes, em escadas que chegam a lugar algum, com banca de jornal sobre
eles; cadeirantes que ficam ilhados por falta de rampas ou por conta de
hidrantes instalados no meio delas, ou por estarem fora dos padrões legais;
surdos que ficam perdidos na cidade por absoluta falta de sinalização adequada
e muito mais.
Houve
um consenso entre os palestrantes, de maneira que enfatizadas restaram a falta
de respeito à dignidade da pessoa humana no flagrante descumprimento à
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, bem como da farta
legislação infraconstitucional. A ausência da solidariedade e da exiguidade de
humanidade ganharam relevo.
Rodrigo
Rosso realçou a importância da nossa união para fazer frente/cobrança junto aos
gestores dizendo: "A hora é essa! Depois de tudo pronto..."
A
efervecência ficou notória no ambiente. Interiorizei com meus botões uma
passagem bíblica, registrada no Apocalipse que julgo saudável dividir com os
amigos a sua reflexão. "15 Conheço as tuas obras, que nem és frio nem
quente; oxalá foras frio ou quente! 16 Assim, porque és morno, e não és quente
nem frio, vomitar-te-ei da minha boca."
Pelas
parcas ações entendo que as palavras acima caem como uma luva nas cabeças dos
nossos gestores/administradores, bem como da sociedade civil. Inequívoco que
todos ficam em cima do muro. No caso, em cima das cercas que circundam os
canteiros de obras. Nas entrevistas, quando questionado sobre a concretização
das constitucionais acessibilidades responde o gestor da hora: blablablá...
Decodifico as respostas enroladoras assim: "Conheço as tuas obras, que nem
és frio nem quente;" E porque são MORNAS é que não merecem estar no poder
que EMANA DO POVO! Ora, ora. Serei eu a cega nessa história toda?!
Vivemos
sob o julgo de uma sociedade sem ética. Eis a questão que evidencia a escassez
de justiça! Como paramos de pensar é que, deitados em berço esplêndido,
passamos a considerar como verdade aquilo que alguém pensou para nós. Simples
assim. De nada adianta falar em ética sem ser ético. Pensamento e ação hão que
estar conjugados/sintonizados. De modo simples vale dizer que ética é, sobretudo,
a forma como nos relacionamos uns com os outros. Precisamos nos autoavaliar,
autoconhecer, autojulgar, a fim de conhecer o outro. Na medida em que nos
conhecemos passaremos a enxergar o vizinho, a pessoa com deficiência, o idoso,
a cidade com seu espaço público e privado, o Brasil, o planeta...
Tanto
mais fácil é curvarmo-nos a moral, sob o aspecto do conjunto de regras, das
normas e leis que regem a sociedade hodierna. Nesse diapasão não precisamos
pensar. Para falarmos em justiça se faz mister, antes, ser ético. É necessário
uma postura seguida de ação mediada em princípios tais como o respeito à
subjetividade, à dignidade da pessoa humana, à diversidade, ao outro.
Traduz-se, pois, a necessidade de questionar, pensar. Xô preguiça!
Relembrei,
em minha fala, um triste episódio que vivenciei por ocasião do encontro
municipal para colher propostas destinadas as novas metas para melhorar o viver
diário das pessoas com deficiência, a vigorar pelos quatro anos futuros.
Abertos
os trabalhos a responsável, de forma "eficiente", apresentou um papel
dizendo: "Aqui está a cópia das propostas de quatro anos passados. Basta
trocar a data e tudo estará pronto para que possamos tomar o nosso
cafezinho!" Petrifiquei. Indagando sobre o absurdo, soube que também as
propostas de oito anos atrás foram transcritas para as que eu estava vivendo,
as quais seriam apresentadas para os próximos quatro. Daí concluí que o pior
cego é o que não quer ver. Saltava aos olhos que algo havia de errado! Fiquei
vencida. E as imagens do amigo Fábio Guimarães mostravam os mesmos erros...
Nítido
é que sem ética os gestores estão praticando ações totalmente desconectadas de
uma reflexão sobre o sentido da vida em coletividade. Então ,
sem o reconhecimento do outro fica o questionamento: para que serve o ser
humano? o que estamos fazendo por aqui? qual a função do homem e da existência?
Uma bolsa serve para guardar coisas, um sapato para proteger os pés. Agora, uma
bolsa sem abertura e um sapato repleto de pregos não têm serventia, né? Então, as
coisas têm que servir ao seu destino, certo?
Um
homem sem solidariedade, desprovido de ética, consequentemente sem justiça
serve para qual função no planeta?
A
desvalorização/banalização da educação e do professor conduz ao conhecimento
enlatado. Por analogia lembro do "fashion
fast-food", significando, para o momento, cursos rápidos, virtuais,
sem, ao menos, a presença do educador. Não temos mais tempo para ler e conhecer
novos horizontes. Transformamo-nos em tecnumanos! Rápidos, rápidos, rápidos... (http://deborahpratesinclui.blogspot.com.br/2013/02/tecnumano.html)
Nos
finalmentes, o amigo Armando Nembris, sabiamente, fez uma ponderação pela qual
sugeriu que estamos perdidos, sem saber bem o rumo a tomar. Concordo
plenamente! De fato urge encontrar-nos para as cobranças/explicações de todo
género com os administradores das cidades, em especial, a do Rio de Janeiro,
com o fito de uma prestação antecipada do legado de acessibilidades pós
olimpíadas e paralinpíadas 2016.
Lewis
Carroll, autor da esplêndida obra: Alice no país das maravilhas, de modo
lúdico, mostra o que acontece com aqueles que não sabem o que querem, que não
têm um projeto de vida a realizar, como se vê no pequeno trecho abaixo:
(...)
"No decorrer da viagem, Alice encontra muitos caminhos que seguíam em
várias direções. Em dado momento, ela perguntou a um gato sentado numa árvore:
-
Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
-
Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato.
-
Eu não sei.
O
gato, então, respondeu sabiamente:
-
Sendo assim, qualquer caminho serve."
Conclui-se
que, por não sabermos bem o que queremos, nem como cobrar, fácil fica para os
gestores MORNOS deixar-nos para lá. Qualquer coisa serve...
Pelo
andar da carruagem o imensurável legado das olimpíadas 2016 será deixado pelos
nossos glamurosos para-atletas. Aliás, nos últimos jogos internacionais, foram nossos representantes os que trouxeram mais
medalhas. Há quem se deixe abater por qualquer dificuldade. Há quem nunca
desiste, por maior que ela seja. Os medalhistas deficientes têm que vencer, a
cada dia, os seus próprios limites sem se abater com a total inacessibilidade
em todas as suas nuances. Matam um leão p/h!
A
coletividade há que entender que nesse terceiro milênio a moda aponta para o
HUMANISMO ÉTICO, voltado à realização do ser humano integral, aquele que
integra o homem ao todo e propõe a crença no humano, certo de que o homem
supera-se sempre e em todos os sentidos.
Sem
sombra de dúvida é a ACESSIBILIDADE ATITUDINAL a grande saída para um Brasil
sem deficiência. As mudanças hão que vir de dentro para fora e não ao contrário
como é o hábito.
Vamos
semear a ética para que resplandeça a solidariedade?
DEBORAH PRATES.
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