O
Desenforcamento de Tiradentes
Descrição da imagem para DV's: pintura de perfil de Tiradentes, com nariz longo e ligeiramente adunco, cabelos até o ombro preto e liso, barba grande da mesma cor e uma corda frouxa no pescoço.
No
feriado de 21 de abril de 2015 compareci a um evento que me mostrou o quão
estagnado está o desenvolvimento civilizatório relativamente as pessoas com
deficiência. Adianto que continuamos invisíveis aos olhos da sociedade. Pior
ainda foi comprovar que os integrantes do Poder Judiciário carioca nos têm como
SUB-HUMANOS!
O
lema do encontro foi: "Justiça ainda que tardia". A sentença de
Tiradentes foi simbolicamente revista no salão histórico do Primeiro Tribunal
do Júri do RJ. Foi o máximo!
Joaquim
José da Silva Xavier foi interpretado pelo ator Milton Gonçalves. O papel de
juiz foi do desembargador Claudio dell'Orto, e o criminalista Técio Lins e
Silva atuou como advogado do réu. Dr. Técio adotou como linha de defesa que
Tiradentes só confessou a sua participação no movimento sob tortura. O promotor
foi o criminalista Jorge Vacite Filho.
Imaginei
que fosse encontrar um salão com lugares, valendo dizer confortável. Ledo e
maravilhoso engano! Nossa, na porta do Tribunal estavam aglomeradas umas 500
pessoas ávidas por um lugar no julgamento.
As
180 senhas foram todas distribuídas e a confusão instaurada pelos humanos que
ficaram do lado de fora do inusitado evento.
Fiquei
impressionada como os cariocas tinham sede de cultura! O horário do
acontecimento chegara e os portões foram fechados. Muitos gritaram pelo
ouvidor, outros diziam-se parentes de Tiradentes e tantos mais protestavam para
falar com o advogado do réu como maneira de contornar a exclusão. Brincadeira
salutar! Certo ficou que os organizadores foram pegos de surpresa com a
aceitação da ideia.
Somente
conseguimos acomodação na sala ao lado do salão principal, onde havia um telão,
e ficamos bem felizes!
Como
militante que sou procurei saber se no seleto rol dos atores havia pessoa com
deficiência. Afinal, representamos 1/4 da população brasileira, de acordo com o
censo do IBGE de 2010.
Então,
soube que no corpo de jurados - representação da sociedade - encontravam-se:
negros, mulheres, representante da ONU, presidente, desembargador, indígena e
pessoa de comunidade. Claro que não esperava ter deficientes nos papéis
principais, pelo que não os procurei! Nossa, como fiquei triste com essa
conclusão. Estamos tão sofridos com o olhar assistencialista que nos é
dispensado pela cruel coletividade... recobrei os sentidos. Não podemos aceitar
isso em 2015! Porque não aceito essa injustiça é que escrevo esta crônica.
Entre
um e outro suspiro de cansaço, recordei um pedaço de uma fala da ministra
Carmem Lúcia, integrante do Supremo Tribunal Federal, que divido com o leitor:
"A pessoa passa a ser chamada de excelência todos os dias. Daqui a pouco,
começa a acreditar que é mesmo."
Parafraseando
a ministra é que pensei que as pessoas com deficiência diriam: a pessoa passa a
ser chamada de insuficiente todos os dias. Daqui a pouco, começa a acreditar
que é mesmo menos que humano.
Poxa,
como imaginar que parcela tão expressiva da sociedade fora ignorada solenemente
por todos os agentes pensantes desse histórico evento? Respondo a mim mesma que
deve-se ao nenhum valor que temos na bolsa de valores humanos simbólicamente
instituída na sociedade brasileira. O nosso povo ama a desigualdade! Nesse
diapasão simbólico a pele branca vale bem mais do que a pele negra; a pessoa
com deficiência vale bem menos do que a pessoa sem deficiência. E vai por aí
afora para todo tipo de mau gosto!
É
que a aristocracia se fantasia com as vestes da democracia. Nesse Carnaval
cotidiano os humanos que ocupam os mais altos níveis de uma hierarquia social
não admitem a presença de pessoas com deficiência no grande teatro da vida.
Contudo, suportam estar ao lado de outras minorias por um curto espaço de
tempo; digamos até o final do Carnaval.
Também
procurei saber se estavam presentes pessoas com deficiência na plateia. Ah, que
lamentável constatação ouvir que não éramos mais do que três! Entendo
perfeitamente. É que no espaço urbano não temos transportes nem rotas
acessíveis que garantam o nosso direito a liberdade de ir e vir e,
consequentemente, também não temos o direito a liberdade de expressão.
Com
meus olhos cegos enxergo muito bem que tenho habitualmente cerceado o meu
direito de participação. Vivemos, pois, numa democracia ou numa aristocracia
velada? Democracia sem igualdade e sem direitos humanos! Existe? Pode?
Será
que existiria no Brasil advogado que defendesse a presidenta Dilma pela
violação dos direitos humanos que se seguem? A Secretaria de Comunicação
(Secom) da Presidência da República responde na Justiça um processo pela
ausência de interpretação em LIBRAS nos pronunciamentos oficiais da presidenta
Dilma exibidos em cadeia nacional de televisão. O Ministério Público Federal
ajuizou ação civil pública para fazer cumprir a Convenção de Nova Iorque. Os
discursos oficiais da presidenta e todos mais hão que ser acessíveis às pessoas
com deficiência auditiva. Fantástico sermos enxergados pelo MPF!
No
desenforcamento de Tiradentes - 2015 - a LIBRAS foi ignorada. Eis a prova
contundente de que as pessoas com deficiência são imperceptíveis à cegueira
opcional, voluntária de uma sociedade aristocrática. Quero ser vista! Tenho
pressa de viver. Preciso de uma Pátria Educadora acessível de verdade!
Em
recente oportunidade fiz uma palestra sobre sustentabilidade social. Falei
depois dos palestrantes que discorreram sobre sustentabilidade ambiental e
econômica. Sabido é que a sustentabilidade é representada por um tripé: uma
haste representa o ambiental, outra haste representa o econômico e a última
haste representa o social. De antemão, perguntei se alguém imaginava a figura
de um tripé apenas com duas pernas. Óbvio que foi um questionamento um tanto
quanto exótico. Sobreveio a resposta: não! Contraperguntei: Então, como se pode
falar em social sem acessibilidade? Ora, a sustentabilidade há que ser vista de
forma holística! O grande sociólogo e mestre Boaventura de Souza Santos afirma
que o que existe mesmo é o capitalismo verde, parecido com o tom encontrado nas
cédulas de dólares.
Bem,
dessa feita Tiradentes teve mais sorte, melhor dizendo, fora feita a justiça.
Por unanimidade os jurados o absolveram. Claro que não podemos devolver a vida
ao nosso mártir. Todavia, foi uma grande prova de que a verdade de ontem não é
a verdade de hoje. A história não mudou. O que mudou foi o olhar que o corpo
social deu ao exame dos mesmos fatos ocorridos.
Magnífico
evento que exercitou a ACESSIBILIDADE ATITUDINAL. Necessitamos oxigenar os
cérebros com permanentes reexame da história, a fim de que reciclemos os velhos
conceitos e preconceitos. Urge pensar por conta própria, pelo que salutar será
ouvir com cautela muitos conceitos que nos são impostos por sucessivas
gerações, através de pais, professores, amigos...
Sugiro
aos integrantes do Poder Judiciário que revejam a pena imposta ao personagem
Quasímodo, pessoa com deficiência na Idade Média. O documento a ser revisto é a
obra de Victor Hugo, O Corcunda de Notre-Dame, cujo trecho chocante transcrevo
agora: "(...) caracterizar que aquela criatura zarolha, corcunda, torta,
incompleta e mal desabrochada era um 'quase alguém'." (HUGO, Victor-Marie.
O corcunda de Notre-Dame. São Paulo: Editora Três, 1973, p. 120)
Mister
se faz que o Poder Judiciário reconsidere as muitas injustiças praticadas
contra as pessoas com deficiência, sendo a principal rebaixá-las a condição de
sub-humanos. Dessa forma a JUSTIÇA também seria feita para com as pessoas com
deficiência
Tal
como ocorria com a sociedade parisiense no século XV, a sociedade brasileira
também usa no século XXI o modelito da hipocrisia. Em 2015 o povo, exausto de
sentir o chicote do capitalismo verde, sente a necessidade de aliviar o stress
e usa, como remédio aliviador de seus males, as pessoas com deficiência. Somos
motivo de esquizofrênicos e incansáveis risos e deboches vindos das pessoas sem
deficiência, por ilustração, nos: transportes inacessíveis, trabalho,
hospitais, eventos...
Somente
praticando a acessibilidade atitudinal é que conseguiremos modificar a
mentalidade engessada de uma sociedade baseada no abuso da desigualdade, da
injustiça e da ignorância.
Brasileiros,
fecho esta crônica sugerindo que adotem para as pessoas com deficiência o mesmo
lema adotado para a revisão da história de Tiradentes:
"Justiça
ainda que tardia"!
De acordo: os integrantes do Poder Judiciário carioca nos têm como SUB-HUMANOS!!! Opus
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