E-HUMANO
Descrição da foto para DV's: Em fundo branco, uma coroa de flores brancas, vermelhas e rosas, repleto de folhas verdes ao redor, está sustentada por um tripé preto. Atado a parte de cima da coroa, um laço grande de fita branco. Eis uma singela homenagem que Deborah Prates faz à memória do pequeno Matheus Henrique Albuquerque Lacerda.
Faz algum tempo que
escrevi a crônica: TECNUMANO, na qual, com meus olhos cegos, reproduzo o avesso
do homem. Um inverso mal-acabado, esfiapado... interior sombrio onde o ter se
sobrepôs ao SER. Xô cultura da superficialidade, da obsolescência!
(http://deborahpratesinclui.blogspot.com.br/2013/02/tecnumano.html)
Tracei, então, um
paralelo com as imagens inseridas no certificado que recebi pela palestra sobre
ACESSIBILIDADE ATITUDINAL, ocorrida no dia 6/5/2014, na Universidade Federal de
Pernambuco. O importante documento faz solidária homenagem a memória do pequeno
"MATHEUS HENRIQUE ALBUQUERQUE LACERDA", que, por desapreço do governo
do Estado de Pernambuco veio a falecer.
Matheus sofria de
trombofilia e Pernambuco negligenciou quanto a entrega do medicamento
necessário à sua sobrevivência, caracterizando omissão administrativa quanto ao
direito fundamental à saúde. Decorrido o óbito os e-gestores tentaram explicar
a covardia perpetrada contra a criança de cerca de um ano de idade; como se coubesse
relativizar a vida!
É isso, Pernambuco negou
caráter absoluto à vida de Matheus, considerando-a de valor apenas relativo. O
e-humano e/ou e-gestor cuida dos cidadãos de maneira virtual; num clique faz a
pergunta ao PC e, noutro clique tem a resposta robótica. Nítido que no HD
daqueles que administram só estão registrados os verbos: ver, ter, comprar e,
em vezes remotas, trabalhar.
Na minha exposição sobre
acessibilidade atitudinal tive a oportunidade de descrever a gigantesca
distância entre DIREITO e JUSTIÇA. A atitudinal, por estar intrinsecamente
ligada a solidariedade - sentimento que nos faz humanos - é a saída para um
Brasil mais justo e igualitário. O e-gestor da hora está ligado nas regras
sociais que dão as ordens para a coletividade - formada por androides - valendo
dizer à moral. Daí, faleceu Matheus... sua família... alguns outros seres
pensantes indignados.
As escolas/universidades
nos entubam regras enlatadas; o saber na modalidade de pássaros engaiolados. De
forma mecânica nosso hard disk
armazena a informação a ser utilizada num clique, sem critérios humanos. Julgo
que o remédio está na ÉTICA, melhor dizendo, na reformulação dos nossos valores
e princípios. Só assim chegaremos perto da JUSTIÇA.
Brilhantes engenheiros e
arquitetos permitem que ciclovias sejam sobrepostas em pisos táteis, sobre
rampas...; que corrimãos iniciem lá pelo 3º degrau de longa escada, ou que nem
existam... Basta dar um giro nas metrópoles para constatar as atrocidades
praticadas por humanos em oposição aos seus semelhantes. Absoluta
ignorância/desconhecimento das diversidades. Por tantos enganos é que
precisamos desvincular o verbete acessibilidade das pessoas com deficiência.
Efetivamente, uma cidade acessível é para TODOS!
Dividi com os solidários
recifenses um convite estranho que recebi faz alguns anos, traduzido na minha
participação na festa da pipoca. Você já ouviu contar? É assim: o dono da casa
enche um baldão de pipoca e distribui entre os convidados para que atirem uns
nos outros; uma guerra de pipocas.
Claro que minha resposta
foi NÃO, NÃO, NÃO! Justifiquei que no planeta a cada 3 minutos um humano morre
de fome; que não fazia muito que a mídia havia mostrado, após um tsunami, mães
confeccionando/moldando barro em formato de biscoitos para, de forma lúdica,
enganar a fome de suas crianças; que num Brasil continental, onde a comiga não
chega equitativamente em todos os pratos... de maneira que jamais poderia
concordar com o desperdício de alimentos/comida. Então, ouvi:
- Como você é careta, o
o dinheiro é meu e faço dele o que eu quiser! Não estou roubando...
Pois é, resposta bem
dentro da moral hodierna, onde o ter se sobrepõe ao ser. É a cultura do: eu
posso; o meu dinheiro paga... Insolentes criaturas... grosseiras, malcriadas, desrespeitosas.
Os e-gestores ou, se preferirem, e-humanos, são os filhos das guerras de
pipocas; crianças que foram "educadas" sem ética, sem valores, sem
princípios norteadores da magia da solidariedade. A criança de ontem é o gestor
de hoje! Dinheiro nenhum nesse mundão compra a minha dignidade. Compra a sua?
O cruel/desumano caso do
menino Matheus se repete no viver diário por todo Brasil. Em maio/2014 falta na
grande Rio de Janeiro medicamento para a cura da tuberculose, acredita? Não
temos saúde, educação, transporte de qualidade, porém, a Copa vem aí! Os
e-gestores gastam o nosso dinheiro - milhões - em estádios, mas não utilizam
nossos recursos na preservação dos direitos fundamentais que garantem as nossas
VIDAS. Que estado é esse? Que brasileiros somos nós que dizemos AMÉM a tantas
perversidades? Teremos coragem para gritar gooooooooooooooooool... num jogo de
humanos-maioria CONTRA humanos-minoria, sendo árbitro um robô? Estamos todos
loucos?
A síndrome da tecnologia
também devastou o soberano que rege o Poder Judiciário brasileiro. O
peticionamento judicial eletrônico (PJe) precedeu seu tempo de existir pelas
audácias dos que se julgaram bem adiante da caneta.
Certo está o meu querido
Rubem Alves ao escrever: "Por isso, sendo um país tão rico, somos um povo
tão pobre. Somos pobres em idéias. Não sabemos pensar. Nisto nos parecemos com
os dinossauros, que tinham excesso de massa muscular e cérebros de
galinha." (obra: A alegria de ensinar)
Cômico, não fosse
trágico, a maldita tecnologia insistir em andar na frente do homem! Explica-se
com a existência, às pencas, do e-julgador, ou seja de MINISTROe. Para os que
não estão familiarizados com o assunto, vale esclarecer que, em nome da
tecnologia, no último dezembro, o Conselho Nacional de Justiça ordenou que
todas as peças processuais teriam que ser enviadas eletronicamente. Entretanto,
os vis e-julgadores não se preocuparam com a infraestrutura do sistema,
absolutamente precário no Brasil. Assim, rasgando a Carta Cidadã, Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência... baniram os advogados cegos, os
idosos; ignoraram - solenemente - os
mais de 50% dos municípios desprovidos/incapacitados da necessária banda larga
para o acesso ao PJe, e muito mais!
Verdadeiramente, os
e-julgadores deram de ombros à sociedade; revogaram o Artigo 133 da sofrida
Constituição Federal. Lembro do imortal Chico Anysio interpretando um de seus
personagens, repetindo: "O POVO TEM QUE MORRER!" Mataram
"Matheus"... morremos todos... Brasil, terra de alienígenas!
Estava a pensar se esses
e-humanos conseguem dormir. Concluí: claro que sim! Dormem a moda deles, já que
não têm coração e sim HD, de sorte que apenas desligam... religam...
desligam... religam...
O próximo outubro eleitoral vem aí e necessitamos mudar
os nossos maus hábitos, em especial aquele de repetir que: NÃO TEMOS OPÇÃO! Há
alternativa sim; que tal se estudássemos os currículos daqueles candidatos que
a mídia sequer cita... se déssemos oportunidade aos novos... A esperança é a
última que morre!
Nessa dura realidade,
quem é o cego? Deficiente é o nosso Brasil! Quem ganhará esse jogo? Façam as
suas apostas!
OBS: O certificado referido na crônica pode ser visto na página Deborah Prates Palestrante em:
DEBORAH PRATES
Tocou-me profundamente este texto, escrito de forma tão primorosa e realista, infelizmente realista demais.....a variável extremamente positiva desta analise é que nos oferece a oportunidade de refletirmos e também de idealizarmos respostas a essas questões vitais para a nossa evolução como seres humanos e como cidadãos. "... num jogo de humanos-maioria CONTRA humanos-minoria, sendo árbitro um robô? Estamos todos loucos?" É bem possível...mas já que temos a alternativa de enlouquecer, por que não enlouquecermos de AMOR ao próximo que no final das contas também somos nós mesmos??? Parabéns querida Deborah, que a sua loucura-lucidez atinja 'as maiorias....
ResponderExcluirQuerida amiga márcia, que linda a sua interação! Maravilha a sua sensibilidade. Pessoas como você é que farão as necessárias transformações em prol de um Brasil mais justo/igualitário. carinhosamente. Deborah Prates
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