SUB-HUMANOS?!
Descrição da foto para deficientes visuais: Castelo medieval francês a direita da foto, muito suntuoso. A sua frente - centro da foto - há um fosso, e a esquerda da foto ruas modernas, pessoas, árvores, jardins, caracterizando a vida pública comum. O palácio não sobrevive sem a praça/povo.
Na noite de 16/6, vendo
com os meus ouvidos alguns telejornais me fixei na notícia do Censo dos
Magistrados, e, mais uma vez, concluí ser a pessoa com deficiência sub-humano.
Triste evidência estarmos abaixo do que se considera humano. Nenhuma televisão
falou na pesquisa do CNJ por inteiro, pelo que, como pessoa com deficiência,
cumpre-me fazê-lo nesta crônica.
A pesquisa, na íntegra,
pode ser checada na Agência CNJ de Notícias
(www.cnj.jus.br/censo), na qual, em dezembro/2013, foi levantado que 64% dos
magistrados são do sexo masculino. Eles chegam a representar 82% dos ministros
dos tribunais superiores. Em relação à composição étnico-racial da carreira,
juízes, desembargadores e ministros declararam ser brancos em 84,5% dos casos.
Apenas 14% se consideram pardos, 1,4%, pretos e 0,1%, indígenas. A grande mídia
revelou à coletividade até este ponto da pesquisa.
No entanto, o pedacinho
final do levantamento feito pelo CNJ ficou oculto; mas vou enfatizá-lo agora.
Diz a pesquisa que existem apenas 91
deficientes no universo da magistratura, estimado em pouco mais de 17 mil
pessoas, segundo o anuário estatístico do CNJ - Justiça em Números, elaborado
com base no ano de 2012. Eis a prova de que somos capazes.
Os meios de comunicação de massa não nos
percebem, nem o cNJ, já que baniu os advogados cegos da advocacia, no momento
em que tornou obrigatório um sistema de peticionamento eletrônico absolutamente
inacessível a esse seguimento. Terminantemente, a maravilhosa legislação brasileira
para as pessoas com deficiência é, tão-só, fachada. No viver diário, pouco
importa aos concidadãos se a Convenção de Nova Iorque tenha status de Emenda Constitucional, vez
que, nem mesmo, o presidente do Supremo Tribunal Federal - o mesmo do CNJ - a
cumpre.
A história do STF não
registra um ministro com deficiência. Qual a razão? Ora, se a vontade -
registrada no preâmbulo da CF - dos Constituintes era a IGUALDADE, bem-estar...
Esse seguimento representa muito, já que 1/4 dos brasileiros. à vista disso, -
proporcionalmente - deveríamos estar representados na maior Corte do Brasil,
com, pelo menos, um ministro nos tribunais superiores, não?!
Faço questão de reavivar
parte do preâmbulo da nossa Carta Cidadã: "...
assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma
sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos,
fundada na harmonia social..."
No cotidiano a relação
entre Estado e sociedade é complexa, havendo gigantesca distância entre a
gramática (leis) e a prática (ética). Verdadeiramente a sociedade brasileira é
hierárquica e aristocrática. Esta forma de organização social e política, na
qual o governo é monopolizado por uma classe privilegiada, vai de encontro a Lei
Maior; mas é essa hipocrisia a verdadeira face do Brasil.
A desigualdade é
estabelecida no plano do coração. Por exemplo, a escravidão acabou formalmente
e não no viver diário. Houve uma época que era proibido andar descalço na Rua
do Ouvidor (RJ), já que apenas a nobreza bem trajada tinha esse privilégio de
passear por ali.
Vivemos numa ética
personalizada, valendo dizer que o que se faz nas ruas é bastante diferente do
que se faz em casa. Temos
uma enorme dificuldade de lidar com o espaço público. Entendemos que o bem
público é de ninguém, pelo que dele podemos nos apossar e fazer o que quiser. Os
que se consideram mais importantes podem mais.
Qual o brasileiro que
nunca ouviu: sabe com quem está falando? Em fevereiro último tive a honra de ir
à Brasília, a convite do Conselho Federal da OAB, receber uma moção. Muito bem,
por conta do meu pessocão - Jimmy Prates - as companhias me disponibilizam um
local logo na primeira fileira, onde o espaço é um pouco maior. Eu estava com
um amigo e sentamos lado a lado, deixando a primeira poltrona vazia. Pensamos
que Jimmy se deitaria em nossos pés, não incomodando a poltrona inicial.
Então, ouvi: "Este
lugar é meu!" Imediatamente respondi que sim; contudo elucidei quanto ao
cão-guia. A voz feminina, após alguns segundos, pareceu digerir a perda do
espaço para um cachorro. A viagem prosseguiu. Começamos a conversar sobre o
treinamento de Jimmy; e o papo rolou, até agradavelmente. Lá pelas tantas a voz
disse: "Você sabe com quem está falando?"
Confesso que, naquele
momento, senti o meu cérebro formigar. Nossa, há quanto tempo não ouvia aquele
jargão aristocrático! Respondi: "Não!" Veio a grande finalização:
"Você está falando com a desembargadora..." Suavemente interagi dizendo:
"E aí?!" Ouvi um bom silêncio.
Fiquei a pensar na cruel
hipótese da queda do avião. Será que morrer desembargadora, e coisa e tal,
seria muito divergente de morrer advogada anônima? Para mim rolava, tão-só, uma
conversa passatempo. Eu não queria saber o cargo da pessoa com quem falava;
estava simplesmente trocando ideia com um ser humano.
Fato é que, ainda em
2014, as pessoas que se consideram relevantes não suportam a impessoalidade,
nem o anonimato. Apesar da Carta da República falar em igualdade, nada mudou na
cabeça daquele que se julga dono de um cargo; esquisito constatar que as
pessoas se apossam deles.
Indubitavelmente é
difícil/complexo mudar uma cultura, principalmente numa fase em que o
capitalismo selvagem tomou conta do ser. Hodiernamente o ter se sobrepôs ao
ser. O humano vale pelo que materialmente ostenta/possui. Estamos mergulhados
na cultura da obsolescência programada e intuitiva...
No Brasil, muitas vezes,
as leis são feitas visando corrigir o jeitinho brasileiro, bem como seu
primo/irmão: você sabe com quem está falando. Quem de nós, num dado momento da
vida, nunca serviu-se do velho "jeitinho". Depois da hora do
expediente, guichês fechando, no desespero de pagar uma multa, sustentamos
diante do funcionário: "É que eu
estava no hospital cuidando de um ente querido... dê um "jeitinho"."
Achamos que as leis são para todos, menos para nós. Eis a dificuldade de
mudarmos essa cultura brasileira.
Outra triste ilustração
é a institucionalização/oficialização da corrupção. Com que frequência a mídia
noticia: A corrupção aqui é tão forte que já está institucionalizada. Esse
costume traz, sem dúvida, implicações sociais de toda ordem. Por tudo isso e
muito mais, é que podemos afirmar que as leis não pegam no Brasil.
No Rio de Janeiro, no
caos do trânsito, sem mobilidade urbana, o Chefe/governador anda de
helicóptero, enquanto os "subalternos" se danam pra chegar ao
trabalho. E o outubro eleitoral vem aí. Pelas pesquisas teremos mais do mesmo!
Como mudar?
Nesse contexto as
pessoas com deficiência, por serem tidas como minoria, levam desvantagem
cultural. Prevalece a hierarquia como ordem dos humanos superiores contra os
dependentes. Os homens sem deficiência veem os homens com deficiência como
inferiores, melhor explicando, como sub-humanos. Daí, dá para compreender o
espírito assistencialista que vigora no Século XXI em relação a estas. Por conseguinte,
não nos possibilitam ocupar uma das vagas para ministro no STF. Superiores
sempre achatando os inferiores.
Temos que nos humanizar.
A história brasileira dá conta que os gestores chegam no poder sem o
imprescindível senso de igualdade, desconhecendo os significados das palavras
equilíbrio e limite. Como não foram introduzidos ao estudo da SOLIDARIEDADE -
sentimento que nos faz humanos - não preparam a sociedade/população para
conhecerem o alcance das leis, pelo que a Convenção sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência passa em "brancas nuvens". Apenas tornar
eficaz uma legislação que contrarie um grupo PODEROSO, sem, em contrapartida, conscientizar
o povo em relação a ela, terminará no próprio STF virando-lhe as costas.
Os costumes não são
inocentes, assim como a lei não é a solução. Insisto e persisto em afirmar que
a chave/saída para uma sociedade mais igualitária em oportunidades é a educação
continuada. Trocando em miúdos, a prática de exercícios diários de
ACESSIBILIDADE ATITUDINAL. Campanhas permanentes e não pontuais como é o nosso
costume. Mas, fica a velha pergunta: a quem interessa educar o povo? No dia em
que nos dermos conta de que o palácio não sobrevive sem a praça...
DEBORAH PRATES.
Deborah Prates, bom dia! Sábias palavras as sua nessa questão em foco, esperamos que um dia nossos direitos constitucionais virem realidade, quantas Deborah Prates serão necessárias para que essa luta tenha um final positivo! Fiquem com DEUS, parabéns por sua incansável luta, bjs de Joaquim e Valéria.
ResponderExcluirQueridos amigos Valéria + Joaquim, para vencermos o cruel preconceito precisamos de um gigantesco coro. Temos que entoar a uma só voz: Somos iguais; precisamos apenas de oportunidades! Carinhosamente. Deborah Prates.
ExcluirComo sempre, cirúrgico, desmistificador e forte! Parabéns, caríssima Déborah Prates, orgulho do Brasil!
ResponderExcluirCompetente e admirado juiz Roberto W Nogueira, muito obrigada. Ainda vivemos um pesadelo com a desunião dos deficientes. Na verdade, os deficientes andam como as formigas trabalhadoras; uma atrás da outra. No primeiro obstáculo que fracione a fila, todas ficam baratinadas, sem saber o rumo/direção... Carinhosamente. Deborah Prates.
ExcluirHoje estive pensando, foi uma luta e um pouco de sorte circunstancial chegar ao quadro da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi ai que percebi que dentro do castelo, vivia-se, comia-se bem. O que me impedia e ainda impede são barreira humanas atitudinais, convencionadas. Confesso que possuo uma deficiência para saber identificar a ética na pratica. Meus amigos, com quem troco ideias, sentem a mesma dificuldade. Meus respeito aqueles que acima de tudo, quando o bicho pegou, arriscaram tudo pois sabem em um universo construído em bases Logicas, a verdadeira ética e inexorável.
ResponderExcluirQuerido amigo Rodrigo, não podemos esmorecer. Não perca as suas forças, vez ser a luta diária e complexa. Sempre em frente. Carinhosamente. Deborah Prates.
ExcluirMarcos Victor.
ResponderExcluirComo eu gostaria de ter esta eloquência mostrada em suas palavras. Parabéns.
Querido Marcos Victor, muito obrigada. Com a sua ajuda, tenho melhorado nessa engenhoca tecnológica. Carinhosamente. Deborah Prates.
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