terça-feira, 25 de outubro de 2011

DE MESA EM MESA - NOS BARES DA VIDA! UM PÉ NO PRESENTE E OUTRO NO FUTURO!


Cartoon de Ricardo Ferraz. Descrição de Imagem: Em um restaurante, um casal está sentado à mesa. Trata-se de um encontro. O rapaz examina o cardápio. A moça, bem vestida, cadeirante, recebe um agradinho do garçom na cabeça, que a trata como criança e pergunta: “Vai papá, né?” 



 DE MESA EM MESA - NOS BARES DA VIDA!


UM PÉ NO PRESENTE E OUTRO NO FUTURO!

Fui convidada por um jornal, juntamente com um amigo cego (WALDIR LOPES) para uma matéria, sendo o público alvo pessoas que frequentam bares e afins. Os jornalistas quiseram conferir como está a ACESSIBILIDADE nesses locais com os olhos voltados para os jogos internacionais que estão chegando. Senti-me honrada por participar da 2ª edição desse tabloide.
            
No dia 18 de outubro/2011, às 18:00 horas, estávamos entrando no "Bar da Garrafa", localizado na esquina da Rua Men de Sá com Lavradio, no centro do RJ. Hodiernamente essa região transformou-se num ponto de encontro entre pessoas de todas as idades. Certamente, será muito frequentado por ocasião dos vários eventos desportivos que vêm por aí.
            
Legal a ideia de já conferirmos esse aspecto!

- Waldir, coloque a mão no meu ombro e deixemos que Jimmy nos leve. Fique à direita com a sua bengala.
- Tudo bem!
            
Comandei Jimmy para que entrasse. De cara ouvimos voz masculina.
- Aqui não pode entrar cachorro!
- Esse não é cachorro! São meus olhos. Ele entrará por força de lei!
            
E fomos adentrando até que ouvimos nova voz.
- Cachorro não pode entrar!
- Jimmy pode. Por favor, arrume uma mesa bem posicionada para que ninguém pise em Jimmy. Depois de acomodados posso mostrar a legislação, bem como a documentação do guia.
            
Equipe totalmente despreparada para recepcionar o deficiente visual. Não sabiam como fazer. Inseguros, mas atenderam ao pedido. Percebi que não sabiam como nos recepcionar.

- Alguém vá à frente batendo na coxa. Comandarei Jimmy para seguir. Por favor, batam na cadeira que irei sentar. Jimmy a encontrará. Sinto que estão muito agarradas uma nas outras. Antes, acomodem meu amigo.

Então, constatei que estavam em dois garçons e fizeram, exatamente, como solicitado. O astral já era bom e o ritmo era de humildade.

Superado o impacto com Jimmy. O bar ainda estava vazio. Waldir sentou-se de um lado e eu a sua frente. Jimmy ficou super confortável deitado ao lado da minha cadeira.

Percebemos vozes amigas em mesa próxima. Era a Equipe de reportagem e alguns amigos que nos acompanhavam. O combinado foi que pediríamos um chope, uma porção de azeitonas e uma pizza.

Interagimos com os garçons. Perguntei se eles estavam habituados com clientes cegos.
- Não senhora! É a primeira vez que atendemos deficientes visuais.
- Então, nós iremos dando as dicas acerca das nossas necessidades para todos, tudo bem?
- Sim, tudo bem! - Respondeu o garçon.
           
Waldir perguntou pelo cardápio em braile...
E veio a resposta rápida: - Não temos!

Repliquei:
- Ah! Mas precisam providenciar! Penso que no IBC vocês poderão obter informações dessa confecção. Vocês precisam estar preparados para os jogos! O fluxo de pessoas aumentará sensivelmente. Claro que pessoas cegas e com outras deficiências comporão esse público.
            
Waldir pediu um guaraná e eu um suco de laranja. Muito atrapalhados estavam os dois garçons que nos atendiam. Não sabiam como colocar as bebidas para que pegássemos. Notamos um certo nervosismo.

Então, orientei: - Por favor, coloquem  meu copo na minha frente que eu irei procurá-lo. Vocês não devem mudar os objetos de lugar na mesa sem, antes, informar aos cegos. Essa atenção evitará acidentes e também demonstra respeito por nós.

Waldir concordou e desse modo foi feito. Pensei continuar falando com os garçons. Logo notei que falava sozinha. Ambos se retiraram sem nos avisar! O amigo disse que pediria que eles atendessem quando levantássemos o braço. No retorno concordaram de modo bem simpático.

O pratinho de azeitonas fora trazido e depositado na mesa com a observação:
- A azeitona está aqui!
            
Claro que interatuamos de pronto!
- Mas onde é "aqui"? Quando vocês falarem com pessoas cegas hão que ser mais precisos! Dizer para um cego: Aqui, ali, lá, até este lugar, e outras informações vagas de nada adianta. Vocês devem ser certeiros. Digam: Para a direita, para a esquerda, para frente, para trás, um pouco a diagonal, etc...
            
Senti que pessoas ouviram atentamente, até porque fiz questão de falar - não em grito - mas em tom alto, de modo a alcançar um fim pedagógico.

Waldir pediu um pratinho para colocar os caroços. E, ao chegar, tivemos que ratificar tudo quanto já havíamos dito! Perguntamos pelos palitos. Pegaram as nossas nãos para que sentíssemos que estavam numa lateral perto das azeitonas. Então, pedimos para que fossem espetados nos frutos da oliveira. Após passamos as mãos - sobrevoando o local - de maneira a mostrar como os palitos fincados nos davam maior conforto!

Como tinha hora para chegar em casa, já pedimos a pizza cortadinha em pequenos pedaços para facilitar a nossa vida. Até porque só havia "tamanho único"! Logo, ocupava exatamente a circunferência do prato. Sem chance para manobras!
- A pizza chegou. Estou colocando no centro da mesa. Vou colocar os talheres nas mãos de vocês. É assim? - Perguntou o garçon.

Sorrimos e incentivamos:
- Sim, sentiram como não é difícil? É só questão de sensibilidade e bom senso, não é mesmo?

O garçom concordou comigo. Mas, apesar da boa vontade, a pizza fora cortada ao sair do forno. Obviamente, os pedaços - com o puxa, puxa do queijo quente - uniram-se novamente. Fui utilizando os talheres começando pela borda que estava à minha frente. Já Waldir preferiu pedir um prato, para que fossem alguns pedaços destacados colocados. Tudo atendido com certa surpresa!

Ouvimos a voz de um dos repórteres passando por trás de Waldir:
- Um dos dois peça para ir ao banheiro.

Waldir se habilitou prontamente levantando o braço. Num flash estafa um dos garçons.
- Amigo, você pode me dirigir até o banheiro? Colocarei minha mão em seu ombro.
           
Na ausência de Waldir ouvi uma voz perguntando:
- Como vai sua filha?
- Ué! Quem me fala?
- Meu filho estudou junto com a sua um bom tempo. Foi do maternal até... não me lembro.
           
A maior coincidência! Batemos um papo e me vieram a cabeça os horríveis momentos que minha filhota e eu passamos naquela primeira escola por conta da minha cegueira. No ponto mais difícil da vidinha de minha filha fomos violentamente DISCRIMINADAS pelo uso da bengala. O "bullying" praticado pelos alunos e dirigentes fora flagrante. Ninguém via nada! Fomos hostilizados escancaradamente num colégio religioso onde entramos no maternal e, por não nutrirmos o dom para mártires, nos desligamos na 6ª série. Como esses fatos são marcantes! Num instante relembrei e vivi todo um filme! Waldir retornou.

- E aí, como foi Waldir?
- Engraçado! Acho que ele pensou que precisasse fazer mais do que fez comigo! Foi quando disse que dali em diante sabia fazer tudo sozinho!

Gargalhamos um bocado. Waldir pediu a conta. Perguntamos alto e a esmo quem a pagaria!
            
Logo estava na nossa mesa um dos repórteres que passou uma nota de cem reais ao Waldir, pedindo-lhe que desse um jeito de conferir a conta. Em seguida veio o outro para arrematar o prato de azeitonas que estava quase intacto. De fato - a preço d'ouro - jamais poderia retornar à cozinha!

Vida salgada! Seriam verdes ou pretas?

Enquanto degustavam a iguaria sugeri que, na volta do garçom, fossem descritos, item por item, a conta. Assim o fizemos.

- Você pode ler a conta para nós?

Tudo fora lido. R$ 19,00, a porção da azeitona. R$ 38,00, a pizza quatro queijos. R$ 4,50, meu suco de laranja. R$ 3,50, o guaraná do amigo. Waldir segurou o troco e pediu, diante dos repórteres, que o garçom anunciasse o valor de cada cédula, bem como as moedas, o que fora, gentilmente, considerado.

Os jornalistas entrevistaram, ainda na mesa, cada um de nós registrando as respostas num gravador. Após os garçons que nos serviram. O clima foi o melhor possível! Muita informação e solidariedade registradas com muitas fotos.
           
Na saída, pedi ao garçom que me orientasse, espalmando as próprias coxas, quando comandei Jimmy até Waldir. Com suas mãos em meu ombro direito, saímos contentes por ter conscientizado mais algumas pessoas em prol da nossa luta. Ao cruzarmos a saída ouvi do metre:
- Recomendações para sua filha!
- Obrigada! Beijos para seu filhote!
- Voltem sempre!
            
Na calçada novas fotos e considerações finais. Demos a matéria como hiper bem sucedida, muito embora tivéssemos apurado TOTAL falta de ACESSIBILIDADE. Sim. Ao falarmos de ACESSIBILIDADE não nos referimos tão-só a física. Até que essa havia na entrada, mas ausente no banheiro. Falo, outrossim, da ACESSIBILIDADE NA INFORMAÇÃO/COMUNICAÇÃO, bem como a ATITUDINAL. Verdadeiramente pudemos conferir a falta de preparo do estabelecimento no atendimento às PESSOAS COM DEFICIÊNCIA.
            
Porque as autoridades NÃO querem encarar essa realidade? De fato, o pior cego é o que não quer ver! O ELEITO que não fez e nem faz por nós (seus mandantes) não merecem ser reeleitos! Concordam?
            
Nessa hora lembrei-me de um episódio de uma série intitulada "OS MONSTROS", onde o personagem principal - temido por todos - corria num parque público desesperadamente, por considerar que as pessoas corriam ávidas em sua direção! Um corria do outro. Sociedade corre do deficiente que, por seu turno, corre da sociedade! Loucura!
            
Indubitavelmente é o diálogo a única saída para a real implementação da tão sonhada ACESSIBILIDADE. Não adianta querer pegar no tranco!
            
A cultura da hora é a da COOPERAÇÃO. Fora cultura da superficialidade!
            
E aí? Amigos leitores, vamos continuar OMISSOS? Ou vamos agigantar a REDE DA SOLIDARIEDADE?
            
De bar em bar, de mesa em mesa, temos que sensibilizar a "malha" hoteleira e afins para que estejamos preparados para receber o Planeta nos eventos esportivos que vêm por aí. Não acham?
            
QUERO MEU CÉREBRO VERDE!
           
"Sejamos nós a mudança que queremos ver no mundo". (Mahatma Gandhi)

                                   Carinhosamente.
                                   
DEBORAH PRATES (cachogente) e JIMMY PRATES (pessocão)

Um comentário:

  1. Amigos Deborah e Jimmy, muito bom o blog e ótima comunicação. Assim é possível relatar cada passo do esforço cultural de conscientizar sobre acessibilidade. Conte sempre comigo e até dia 8 na Rádio Catedral às 11 horas. Estamos convidando para conhecer e participar do
    Projeto “ Dinâmica de Desenvolvimento”
    O Projeto é voltado para o Desenvolvimento Regional Sustentado de sua Região .
    Veja o vídeo a seguir e crie um C3 em sua região
    http://www.youtube.com/watch?v=gy-Kgtr5-74
    Analise cada etapa e vamos juntos trabalhar por um Mundo Melhor

    ResponderExcluir