Dividindo a alegria e honra de ter tido o meu artigo "Da violência
sexual contra mulheres com deficiência" publicado em quatro partes no
Justificando/Carta Capital. Aqui tenho que comentar a minha admiração por essa
equipe que tem total apego ao social. Em uma época em que o Brasil está
absolutamente focado no capital, estando as causas sociais relegadas ao último
plano, sinto-me acolhida/amparada em ter um espaço onde podemos discutir
valores humanos, éticos, morais... Desejo a todas, todos e todes boa leitura e
boas reflexões. Sinto-me entristecida de ter que sempre lembrar à humanidade
que ela deriva do humano. Fiquem atentos para as próximas postagens. Obrigada!
PARTE 02
Quinta-feira, 7 de dezembro de 2017
Da violência sexual contra mulheres com deficiência: a invisibilidade social
O Brasil é
Estado Parte do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional – aprovado por
meio do decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002 – no qual são considerados
crimes da Competência desse Tribunal:
“Artigo 7º
– Crimes contra a Humanidade. 1. Para os efeitos do presente Estatuto,
entende-se por “crime contra a humanidade”, qualquer um dos atos seguintes,
quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra
qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: (…)
Agressão
sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada,
esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de
gravidade comparável;”
De acordo
com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a violência sexual é um problema de
saúde pública de caráter planetário.
Pela
cultura patriarcal afirma-se, com segurança, que o homem – simbolicamente – tem
peso maior do que a mulher. É, por isso, o dominador. Então, a questão de
violência sexual está diretamente relacionada com o gênero. Esse é um problema
geral, global e que, a cada dia, vem tomando corpo face as pautas feministas. A
mulher sem deficiência vem resistindo às opressões e se empoderando rumo a
igualdade de gênero.
Pesquisas
apontam que a violência sexual acarreta efeitos devastadores nas mulheres,
tanto sob a ótica do físico, quanto do psicológico. São sequelas que acompanham
as vítimas até o final de suas vidas.
Salta aos
olhos que as mulheres com deficiência ainda estão em fase gestacional no que se
refere a igualdade de condições. Querem e precisam nascer para os olhos da
sociedade. Certo é que a pior cegueira é a voluntária, opcional. Para que esse
fenômeno bom aconteça é essencial que esse seguimento seja enxergado. Somente
visto é que será conhecido e estudado.
As pesquisas
bibliográficas em quase nada contribuem, vez que o conhecimento real sobre a
verdadeira extensão dos problemas dessa população é dificultado pela ausência
de dados. Vale dizer que o desinteresse da sociedade é o causador desse
desconhecimento.
O Relatório
Mundial sobre a Prevenção da Violência 2014 da OMS, traduzido para o português
pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, em 2015,
revela as formas de violência contra mulheres e meninas no planeta, bem como os
necessários procedimentos para a prevenção e redução dessa violência até 2030.
O
documento acima ignorou o grupo de mulheres com deficiência. Tal constatação é
muito grave, já que prova a invisibilidade desse grupo de mulheres, deixando-o
muito mais vulneráveis até 2030. Eis um exemplo, significativo, que ratifica o
fenômeno da invisibilidade social imposto pela sociedade contra as mulheres com
deficiência.
As suas vozes são sempre silenciadas, anuladas pelo peso das múltiplas
opressões que sofrem. Esse quadro tem que mudar!
Próximo do
Dia Internacional da Luta das Pessoas com Deficiência, as entidades costumam
fazer eventos – pontuais – sobre o tema em foco. Por ilustração, a ONU Mulheres
Brasil faz, habitualmente, chamado público em defesa dos direitos das mulheres
com deficiência. Contudo, no dia a dia o assunto cai no vazio.
A autora
frequenta, de insistente que é, alguns coletivos feministas, já que o melhor
método para se fazer lembrar é se fazer presente nesses encontros. Inicialmente
costuma ser muito bem recepcionada. Todavia, esse bom acolhimento termina no
momento em que discursa sobre a questão das acessibilidades, necessárias para o
acolhimento desse grupo de mulheres.
Então,
passa a causar transtorno, incômodo. Parece que as suas iguais sem deficiência,
conforme vão ouvindo a manifestação, vão ficando entorpecidas, anestesiadas, e,
ao retornarem do coma, não se lembram de nada. A partida é sempre do zero.
A coisificação do corpo da mulher
No
decorrer do processo civilizatório a mulher sempre fora desvalorizada e, em
consequência, tida como um objeto para a satisfação dos interesses dos homens.
No século
XXI, apesar da consciência da objetificação do corpo da mulher, esse olhar
permanece. A prova disso está nas machistas propagandas de cervejas,
cosméticos, automóveis, perfumes, etc. Os profissionais desse setor insistem no
ultrapassado raciocínio de que erotizando o produto os homens os consumam mais
e mais. Nessas divulgações apresentam o corpo da mulher como se fosse um objeto
sexual.
Verdadeiramente
a ideia é levar os homens a acreditar que se consumirem tais produtos atrairão
mais mulheres. Então, todos os caminhos levam a rotina – naturalizada – da
prática de crimes sexuais.
A autora,
no último novembro, compareceu a um evento produzido pela ABRH (Associação Brasileira
de Recursos Humanos) no RJ, cuja chamada era a discussão do assédio em todas as
suas vertentes. Vários profissionais renomados fizeram uso do microfone, sendo
que nas falas não identificou qualquer referência as mulheres com deficiência.
Os representantes
do marketing estavam presentes e combateram essa forma desumana de propaganda.
Apresentaram várias boas ideias. Porém, em nenhuma encontrava-se a mulher com
deficiência. A autora era a única mulher com deficiência presente.
No uso
democrático do microfone fez essa observação. Apenas uma palestrante pediu
desculpas pela falha e agradeceu a observação. O anfitrião sustentou que
haveria, em futuro próximo, um evento exclusivo para o seguimento das pessoas
com deficiência, pelo que não fora pertinente/adequado a manifestação da autora
naquele momento.
Evidenciada,
com essa observação, a ideia, errada, do gaveteiro para guardar os seres
humanos em grupos, valendo elucidar, em gavetas. Clara ficou a intenção da
sociedade em manter as pessoas com deficiência apartadas, excluídas.
Na réplica
a signatária disse que o evento somente seria inclusivo se todos os grupos de
mulheres estivessem ali representados, razão pela qual era inconcebível não ter
sido incluída a mulher com deficiência na exibição de sugestões salutares.
Diante do
auditório lotado, aduziu que os publicitários deveriam combater o padrão de
normalidade dos corpos femininos e criticou a fôrma da indústria da moda
imposta pelo capitalismo machista.
Com mais
esta ilustração, ficou incontroversa a invisibilidade da mulher com deficiência
pela razão, simbólica, de que o seu valor social é menor do que aquele
atribuído à mulher sem deficiência.
Cristalino,
pois, que a mulher sem deficiência está avançando na luta pela igualdade entre
os gêneros, enquanto que a sua igual com deficiência é considerada “quase
alguém”, merecendo ser acondicionada em gaveta própria, isto em novembro de
2017. Inenarrável violência.
Deborah
Prates é advogada, feminista, membra efetiva do
Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), presidente da Comissão da
Mulher do IAB e membra da Comissão de Direitos Humanos do IAB. Integra os
coletivos feministas PartidA e Movimento da Mulher Advogada do RJ. Foi a
primeira advogada com deficiência a ingressar nos quadros do IAB em 174
anos de existência.
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