sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Da violência sexual contra mulheres com deficiência: a invisibilidade social (parte 2)

Dividindo a alegria e honra de ter tido o meu artigo "Da violência sexual contra mulheres com deficiência" publicado em quatro partes no Justificando/Carta Capital. Aqui tenho que comentar a minha admiração por essa equipe que tem total apego ao social. Em uma época em que o Brasil está absolutamente focado no capital, estando as causas sociais relegadas ao último plano, sinto-me acolhida/amparada em ter um espaço onde podemos discutir valores humanos, éticos, morais... Desejo a todas, todos e todes boa leitura e boas reflexões. Sinto-me entristecida de ter que sempre lembrar à humanidade que ela deriva do humano. Fiquem atentos para as próximas postagens. Obrigada!


PARTE 02
Quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Da violência sexual contra mulheres com deficiência: a invisibilidade social



O Brasil é Estado Parte do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional – aprovado por meio do decreto 4.388, de 25 de setembro de 2002 – no qual são considerados crimes da Competência desse Tribunal:

“Artigo 7º – Crimes contra a Humanidade. 1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por “crime contra a humanidade”, qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: (…)

Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável;”

De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), a violência sexual é um problema de saúde pública de caráter planetário.

Pela cultura patriarcal afirma-se, com segurança, que o homem – simbolicamente – tem peso maior do que a mulher. É, por isso, o dominador. Então, a questão de violência sexual está diretamente relacionada com o gênero. Esse é um problema geral, global e que, a cada dia, vem tomando corpo face as pautas feministas. A mulher sem deficiência vem resistindo às opressões e se empoderando rumo a igualdade de gênero.

Pesquisas apontam que a violência sexual acarreta efeitos devastadores nas mulheres, tanto sob a ótica do físico, quanto do psicológico. São sequelas que acompanham as vítimas até o final de suas vidas.

Salta aos olhos que as mulheres com deficiência ainda estão em fase gestacional no que se refere a igualdade de condições. Querem e precisam nascer para os olhos da sociedade. Certo é que a pior cegueira é a voluntária, opcional. Para que esse fenômeno bom aconteça é essencial que esse seguimento seja enxergado. Somente visto é que será conhecido e estudado.

As pesquisas bibliográficas em quase nada contribuem, vez que o conhecimento real sobre a verdadeira extensão dos problemas dessa população é dificultado pela ausência de dados. Vale dizer que o desinteresse da sociedade é o causador desse desconhecimento.

O Relatório Mundial sobre a Prevenção da Violência 2014 da OMS, traduzido para o português pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, em 2015, revela as formas de violência contra mulheres e meninas no planeta, bem como os necessários procedimentos para a prevenção e redução dessa violência até 2030.

O documento acima ignorou o grupo de mulheres com deficiência. Tal constatação é muito grave, já que prova a invisibilidade desse grupo de mulheres, deixando-o muito mais vulneráveis até 2030. Eis um exemplo, significativo, que ratifica o fenômeno da invisibilidade social imposto pela sociedade contra as mulheres com deficiência.

As suas vozes são sempre silenciadas, anuladas pelo peso das múltiplas opressões que sofrem. Esse quadro tem que mudar!
Próximo do Dia Internacional da Luta das Pessoas com Deficiência, as entidades costumam fazer eventos – pontuais – sobre o tema em foco. Por ilustração, a ONU Mulheres Brasil faz, habitualmente, chamado público em defesa dos direitos das mulheres com deficiência. Contudo, no dia a dia o assunto cai no vazio.

A autora frequenta, de insistente que é, alguns coletivos feministas, já que o melhor método para se fazer lembrar é se fazer presente nesses encontros. Inicialmente costuma ser muito bem recepcionada. Todavia, esse bom acolhimento termina no momento em que discursa sobre a questão das acessibilidades, necessárias para o acolhimento desse grupo de mulheres.

Então, passa a causar transtorno, incômodo. Parece que as suas iguais sem deficiência, conforme vão ouvindo a manifestação, vão ficando entorpecidas, anestesiadas, e, ao retornarem do coma, não se lembram de nada. A partida é sempre do zero.


A coisificação do corpo da mulher 

No decorrer do processo civilizatório a mulher sempre fora desvalorizada e, em consequência, tida como um objeto para a satisfação dos interesses dos homens.

No século XXI, apesar da consciência da objetificação do corpo da mulher, esse olhar permanece. A prova disso está nas machistas propagandas de cervejas, cosméticos, automóveis, perfumes, etc. Os profissionais desse setor insistem no ultrapassado raciocínio de que erotizando o produto os homens os consumam mais e mais. Nessas divulgações apresentam o corpo da mulher como se fosse um objeto sexual.

Verdadeiramente a ideia é levar os homens a acreditar que se consumirem tais produtos atrairão mais mulheres. Então, todos os caminhos levam a rotina – naturalizada – da prática de crimes sexuais.

A autora, no último novembro, compareceu a um evento produzido pela ABRH (Associação Brasileira de Recursos Humanos) no RJ, cuja chamada era a discussão do assédio em todas as suas vertentes. Vários profissionais renomados fizeram uso do microfone, sendo que nas falas não identificou qualquer referência as mulheres com deficiência.

Os representantes do marketing estavam presentes e combateram essa forma desumana de propaganda. Apresentaram várias boas ideias. Porém, em nenhuma encontrava-se a mulher com deficiência. A autora era a única mulher com deficiência presente.

No uso democrático do microfone fez essa observação. Apenas uma palestrante pediu desculpas pela falha e agradeceu a observação. O anfitrião sustentou que haveria, em futuro próximo, um evento exclusivo para o seguimento das pessoas com deficiência, pelo que não fora pertinente/adequado a manifestação da autora naquele momento.

Evidenciada, com essa observação, a ideia, errada, do gaveteiro para guardar os seres humanos em grupos, valendo elucidar, em gavetas. Clara ficou a intenção da sociedade em manter as pessoas com deficiência apartadas, excluídas.

Na réplica a signatária disse que o evento somente seria inclusivo se todos os grupos de mulheres estivessem ali representados, razão pela qual era inconcebível não ter sido incluída a mulher com deficiência na exibição de sugestões salutares.

Diante do auditório lotado, aduziu que os publicitários deveriam combater o padrão de normalidade dos corpos femininos e criticou a fôrma da indústria da moda imposta pelo capitalismo machista.
Com mais esta ilustração, ficou incontroversa a invisibilidade da mulher com deficiência pela razão, simbólica, de que o seu valor social é menor do que aquele atribuído à mulher sem deficiência.

Cristalino, pois, que a mulher sem deficiência está avançando na luta pela igualdade entre os gêneros, enquanto que a sua igual com deficiência é considerada “quase alguém”, merecendo ser acondicionada em gaveta própria, isto em novembro de 2017. Inenarrável violência.


Deborah Prates é advogada, feminista, membra efetiva do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), presidente da Comissão da Mulher do IAB e membra da Comissão de Direitos Humanos do IAB. Integra os coletivos feministas PartidA e Movimento da Mulher Advogada do RJ. Foi a primeira advogada com deficiência a ingressar nos quadros do IAB em 174 anos de existência.


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